sexta-feira, 9 de maio de 2008

Design de Comunicação

Este será o post mais longo até aqui. A razão disto é que resolvi publicar a conclusão do meu primeiro trabalho aqui em Saint Etienne. O trabalho não posso mostrar porque, para além de não estar pronto, consiste num pequeno livro em que fiz uma selecção de textos que exponham a problemática do design como comunicação. O resto da explicação está toda no texto da conclusão. Ainda há uns acertos por fazer mas esta é a primeira versão.
Mostro-o aqui, em primeiro lugar para provar que tenho estado a trabalhar (já que ninguém acredita), e em segundo porque fala de algumas questões importantes para mim e porque descreve uma parte importante desta experiência Erasmus até aqui.
Ah, e falta dizer que é suposto ter sido escrito no dia 25 de Abril.
Voilá...

Quando há quatro anos atrás decidi estudar “Design de Comunicação”, partia “para a guerra com os olhos na paz” *. Estava longe de saber do que é tratava esta área, o que era o design, qual a sua posição no mundo da arte, qual exactamente o seu propósito. No entanto, o facto de este curso se chamar “Design de Comunicação” e de apresentar um vasto leque de disciplinas no plano curricular, fez-me perceber a sua transversalidade. Fez-me pensar que talvez fosse uma boa escolha naquele momento em que eu não sabia bem o que queria. Não parecia tão específico como outros cursos, não era apenas “design gráfico”.
A partir daí, a aprendizagem que se seguiu foi transformadora da minha perspectiva sobre todas as coisas: sobre a arte, as imagens, o espaço, a informação, as pessoas e finalmente, sobre o design.
Comecei a perceber que o trabalho a que me propunha exigia a consideração de vários factores exteriores, talvez todos. Tudo conta. Não nos podemos distrair desse exterior para produzirmos uma comunicação eficaz. O termo “gráfico” tornou-se efectivamente redutor pois os projectos podem assumir formas para além da visual no seu sentido mais estético e imagético. Começamos então a perceber que o mais importante não é a forma final mas sim o raciocínio que nos conduz a uma solução. O processo, o pensamento, a estruturação, a identificação do problema e a sua resposta. É esse processo que tratamos por Design.
Quando cheguei à “École d’Art et Design de Saint-Etienne” para fazer Erasmus, fui integrada no departamento de “Comunicação”. O departamento de “Design” desta escola ocupa-se apenas do design industrial, de produto. Quando pela primeira vez, confrontei alunos e professores com esta questão, todos me responderam mais ou menos o mesmo, de forma muito natural, dizendo que em França, a comunicação e o grafismo não são considerados design. Para explicarem isto disseram que o design está ligado à criação de objectos... mas e então, onde é que começa e acaba a definição de “objecto”? Nesse momento, e porque um dos exercícios do semestre deveria consistir numa paginação de textos e imagens, lembrei-me de vários textos que me foram sendo dados a ler por alguns professores de Lisboa ao longo do meu percurso até aqui. Apesar de não considerar ultrajante a perspectiva francesa para a minha área de formação, senti-me de imediato tentada a confrontar as duas realidades, “defendendo” a minha, e vendo assim, até que ponto, se pode negar que a comunicação e o grafismo atravessam uma metodologia processual chamada Design. A noção de metodologia processual é uma das primeiras que nos é incutida na Faculdade de Belas Artes de Lisboa. Só depois disto, o trabalho se transforma em objecto. Objecto no mais autêntico sentido da palavra. Objecto ponderado, projectado, concretizado e testado no contacto, no exterior, na comunicação. Comunica? Então podemos falar de objecto, de utilidade, de rigor, de design. Na nossa área muitas vezes não se produzem objectos com a materialidade de um utensílio de cozinha ou de uma esferográfica, produzem-se antes objectos de informação, de chamada de atenção, produzem-se opiniões, emoções, objectos que têm uma voz muito mais forte do que quaisquer outros.
Enfrentar uma metodologia processual de design é assumir um compromisso de rigor, assumir uma responsabilidade que ultrapassa o simples estudo das formas. É esse sentido racional, crítico, acertivo e acima de tudo social, que nos afasta inevitavelmente do mundo das artes plásticas. É delas que partimos mas acabámos por ser o Lutero desta história e criámos qualquer coisa que está muito afastada do ponto de partida na sua razão de existir.
Por ser uma actividade recente, o design carece ainda bastante de bases teóricas e definições consensuais. Os primeiros anos em que estudamos Design de Comunicação são assombrados pela pergunta que vem sempre do exterior: o que é isso, design de comunicação? A verdade é que muitas vezes na explicação acabamos por nos resignar à dimensão gráfica por ser mais fácil de fazer entender, mas não é tão simples assim.
Os textos e excertos de textos que recolhi para esta pequena antologia são momentos fundamentais da minha formação. Alguns deles abordam questões mais específicas como a formação do designer, até onde vai a importância do meio académico em comparação à da experiência profissional? (Experience Vs Education) Outros, como é o caso de Gui Bonsiepe sobre a questão do Interface, concretizam ideias fundamentais e primordiais na definição do que é o design e da sua incontornável relação directa com a comunicação.
Foi muito importante contactar com esta perspectiva tão diferente da minha e perceber que também ela é possível, ainda que difícil para mim de integrar. Perceber assim, que já é tarde de mais para mudar os meus olhos porque, como disse Sebastião Rodrigues “ser culto é ser de um sítio”, e esta é a minha cultura, estes são os meus textos e as minhas imagens. Hoje, no meu país e do Sebastião Rodrigues celebra-se a liberdade. Liberdade conquistada há apenas 34 anos atrás. Liberdade recente que marca o fim de uma ditadura longa e perigosamente silenciosa, falsamente pacífica. A esta história de liberdade está associada a história da nossa liberdade de expressão. 25 de Abril de 1974 foi o dia em que todos os gritos se soltaram, e com eles as palavras, as opiniões, as músicas, as imagens. Podemos dizer que a história do design português é ainda mais recente do que a história do restante design ocidental. Rapidamente fomos buscar as referências já passadas, entrámos quase directamente no pós-modernismo, sem uma cultura pop e revolucionária introdutória. Não tivemos hippies nem manifestações contra a guerra do Vietname, não queimámos soutiens nem passámos pelo Maio de 68, mas há uma coisa que marcará para sempre aquilo que eu faço e a forma como vejo o design e a criação: estes termos serão sempre sinónimos de liberdade. E acredito que é aí, na liberdade de expressão, que devemos reconhecer o berço de todas as formas de criatividade e de comunicação.

2 comentários:

ana vicente disse...

Belo texto, sem dúvida, e muito pertinente.

gostei muito e agora quero ver o trabalho todo. todinho!!!!

Deixem jogar o Mantorras disse...

granda Matilde!!